quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sobre etologia e dragões

Eu gosto bastante de animações. Pixar, Disney, DreamWorks. Confesso que Como treinar seu dragão parecia até meio bobo pelo título mas acabou se tornando uma das minhas animações favoritas (junto com Wall-E, Shrek e Frozen). A história é ótima, a qualidade gráfica também, dragões sempre ajudam. Mas uma coisa que me chamou a atenção foi o comportamento desses dragões no filme.

Soluço e Banguela.

SPOILER ALERT!

Soluço acaba se tornando o cara dos dragões usando truques que ele aprende ao lidar com o seu próprio dragão. Por exemplo, ele nota que Banguela não gosta de enguias e se derrete com um carinho no papo. Depois ele usa isso pra manipular outros dragões e se tornar o guerreiro "matador" de dragões, surpreendendo todo mundo.

Agora, essa coisa toda de observar comportamentos e respostas pré-definidas (o medo/aversão, ou se derreter todo) a estímulos específicos (enguias, carinho no lugar certo) remetem às histórias clássicas da etologia.

Etologia é o estudo do comportamento animal em condições naturais, em oposição a estudar em condições artificiais num laboratório.

A etologia começou com três caras (que depois ganharam o prêmio Nobel por esse trabalho pioneiro): Konrad Lorenz, Nikolaas Tinbergen e Karl von Frisch.

Os vencedores do Nobel de 1973.

Lorenz estudou o comportamento de corvos, gansos, insetívoros e várias outras espécies (ele conta vários episódios interessantes no livro King Solomon's Ring). O trabalho mais importante de Karl von Frisch foi entender o significado da comunicação por dança das abelhas. Tinbergen (grande amigo de Lorenz até brigarem: um era judeu e o outro nazista) passou um bom tempo explorando os chamados padrões fixos de ação - uma sequência de comportamentos que é automaticamente disparada por um estímulo específico, bem como o que o Soluço explora nos dragões do filme (e mais claramente ainda na série do Cartoon Network).

Uma boa história da etologia vem dos peixes. O peixinho stickleback (da família Gasterosteidae, se alguém quiser saber) fica agressivo e territorialista durante a época de acasalamento. Ele ataca outros machos que se metem a nadar pela sua área.

O peixinho stickleback. Pavio curto.

A questão é: como ele sabe que o que ele está atacando é um outro macho? Será que ele tem um sistema visual complexo que reconhece um peixe macho rival? Niko Tinbergen suspeitou que o peixe não tinha um sistema tão sofisticado pra reconhecer peixes machos da sua espécie. Talvez ele tivesse um macete qualquer.

Pra tentar descobrir o que estava acontecendo, Niko Tinbergen construiu três modelos de “peixe”:
  • um bem realista, mas todo prateado/cinza; 
  • um bem simples, mas com a barriga vermelha, assim como os stickleback machos; 
  • um outro, com a barriga vermelha também, mas com formato diferente do stickleback, mais arredondado. 
Depois ele apresentou os três “peixes”, um de cada vez, para um stickleback de verdade.

Veja você mesmo o que acontece:


Resumindo: se lembra um peixe e tem a barriga vermelha: ao ataque. Por outro lado, o stickleback ignora completamente o modelo mais realista. Se não tem a barriga vermelha, ele deixa pra lá. Parece que ele realmente tem um macete pra saber o que é um rival e o que não é.

"Como ele não percebe que o negócio é feito de plástico!? Isso nem parece com um peixe!", alguém diria. Sim. Pode parecer que o peixe é estúpido e pode ser enganado facilmente.

Acontece que, no dia-a-dia de um stickleback selvagem, as coisas que se parecem com peixes e tem a parte de baixo vermelha costumam ser outros sticklebacks machos. Não é todo dia que ele se depara com um modelo de plástico, de barriga vermelha, construído e colocado ali por um pesquisador pra entender melhor o comportamento dele. E é muito mais fácil identificar simplesmente a cor vermelha do que tentar identificar o sexo a partir de várias outras que caracterizam um peixe macho. E ele aprende eventualmente que aquilo não é um peixe e muda sua maneira de agir.

Às vezes, comportamentos complexos seguem fórmulas simples, que podem ser facilmente manipuladas. O stickleback não está sozinho nessa: vários insetos que são predados por morcegos (que emitem ultrassom) pousam e ficam completamente imóveis quando ouvem ultrassom - pra passarem despercebidos pelo morcego. Outro exemplo: o próprio Tinbergen descobriu que um tipo de vespa usa a paisagem ao redor pra saber onde está a sua toca - se você desloca alguns gravetos e arbustos para o lado com cuidado, a vespa pousa no lugar errado (e imagina-se, entra num conflito interno similar à sensação de "onde eu deixei minha chave?").



Cobra! Primeiro você corre, depois você para pra pensar do que está correndo.

E nós fazemos a mesma coisa em alguns casos. A nossa resposta a cobras (predadores com quem nossos ancestrais convivem há muitos milhões de anos) é extremamante rápida. Você tem neurônios específicos que reagem a imagens de cobras - provavelmente antes mesmo de você se dar conta que viu uma cobra. E, para seu alívio, às vezes é só um cipó ou uma raiz. Ou foi só algo parecido com uma cobra que um pesquisador colocou ali pra estudar o seu comportamento. :P

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