segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Sonhos lúcidos

Você tá tomando café com a sua noiva. Eis que surge (que coincidência, hoje mesmo você pensou nele!) o seu professor favorito do jardim de infância. Ele pergunta como você está, você diz “tudo bem” e apresenta sua noiva. Depois comenta que ainda há pouco vocês estavam fugindo de um lagarto gigante e só escaparam porque fugiram pelo rio. Aliás, que sorte que o Leonardo DiCaprio estava lá pra te ajudar, porque você nem sabia nadar. Enfim, será que ele quer café? Tá bem frio aqui nesse iglu.


Nesse momento o acúmulo de incongruências faz você se dar conta de que está sonhando. Mas você continua a sonhar …


Agora você está tendo um sonho lúcido.


Salvador Dalí supostamente aproveitava as imagens loucas dos sonhos como inspiração.


Mais ou menos 50% da população teve (e lembra de ter tido) pelo menos um sonho lúcido na vida. Daí, só pouco mais de 1% tem sonhos lúcidos frequentes - várias vezes por semana.


Apesar dessas óbvias dificuldades para conseguir voluntários, Daniel Erlacher e colegas fizeram um estudo interessante sobre esse tipo de sonho. Eles queriam saber se ações realizadas no sonho levam o mesmo tempo do que as mesmas ações realizadas na vida real.


Para isso, é necessário que exista algum meio de comunicação entre o pesquisador e o voluntário, o sonhador. Há a sugestão de que os movimentos rápidos dos olhos que fazemos durante uma das fases do sono (que inclusive leva esse nome: REM, pra rapid eye movement) são na verdade os movimentos que fazemos com os olhos no sonho, ao direcionar o olhar. E de fato, é possível combinar com os voluntários uma sequência de movimentos para transmitir mensagens. Por exemplo, direita-esquerda-direita-esquerda pode significar “Estou lúcido no sonho. Tá valendo!”, direita-cima-direita-cima pode significar “Comecei a tarefa” e meia-lua-pra-frente-soco-forte é “Hadouken!!!” (mas isso não relevante pra entender o estudo).


Sequências de movimentos oculares podem ser usadas em fliperamas e estudos sobre sonhos.


Os pesquisadores treinaram os voluntários para executar três tarefas: contar - até 10, 20 ou 30 -, caminhar - dando 10, 20 ou 30 passos - ou fazer uma coreografia (contando junto … 1 2 3 4 1 2 3 4). Eles mediram o tempo que leva pra eles fazerem as tarefas na vida real e compararam com o tempo de realização das tarefas no sonho.


O que eles encontraram? Que, em geral, tarefas levam mais tempo nos sonhos do que na vida real.



Resultados para a tarefa de contar. Cada par de barras corresponde a um voluntário. Na mesma barra, a cor mais clara é “contar até 10”, a intermediária “até 20”, e a mais escura “até 30”. Em cinza: tempo que a tarefa leva na vida real. Em vermelho, o tempo que a mesma tarefa leva no sonho (gráfico adaptado de Erlacher et al., 2013)


Mas - e aqui está a descoberta importante - o tempo relativo é o mesmo: por exemplo, contar até 20 leva duas vezes mais tempo do que contar até 10, sonhando ou não. E eles encontraram a mesma coisa nas outras tarefas - caminhar e fazer a coreografia.


Os pesquisadores (que são de um instituto de ciência esportiva) sugerem que já que o tempo não é distorcido nos sonhos, existe a possibilidade de usar os sonhos pra treinar sequências motoras: pense em músicos e atletas treinando e aprendendo enquanto dormem.

Um mundo em que podemos investigar os sonhos dessa maneira era provavelmente o sonho de Freud.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Top 4 coisas impressionantes que abelhas fazem

Tamanho importa? Do cérebro, eu digo. As abelhas diriam que não. Com seus ínfimos cérebros de 1 mm3 e menos de 1 milhão de neurônios (nós temos, na média, 86 bilhões), elas se viram muito bem, obrigado. Elas veem o que nós não vemos, dançam pra se comunicar, possuem um senso de direção excelente e lidam até com conceitos abstratos.


Abelhas em Bee Movie são um pouco mais inteligentes do que abelhas reais. Mas só um pouco.

Visão além do alcance

De toda o espectro de luz que existe no mundo, em diferentes comprimentos de onda, como humanos, vemos apenas uma pequena parte. Essa parte é chamada de, previsivelmente, o “espectro visível”.


Logo abaixo do vermelho (o menor comprimento de onda que enxergamos) tem o infra-vermelho e logo acima do violeta o ultra-violeta.

Aí que entra a visão das abelhas: enquanto nós paramos no violeta elas nos ultrapassam e veem o ultra-violeta.

Isso não é exclusividade das abelhas - aves também veem uma parte maior do espectro. O que isso quer dizer é que elas enxergam o mundo diferente de nós - o que não chega a ser uma surpresa. A questão é que isso é importante pra elas.

Quando você olha uma flor, você vê só a flor. Bonita e tal. As abelhas veem uma fonte de alimento. E as flores contam com as abelhas pra polinizá-las. Então as flores sinalizam pras abelhas: “Ei! Néctar! Aqui!”.


Esquerda: como você vê a flor. Direita: como a abelha vê a mesma, com direito a sombra no meio, indicando onde está o néctar.

Dancing Queen (Bee)

Abelhas dançam. Mas não é pra sacudir o esqueleto (elas nem tem esqueleto interno). Elas fazem uma “dança” pra avisar às outras sobre novas fontes de alimento. Mas é difícil falar de dança. Melhor assistir:



Como o cara explica no vídeo, elas fazem essa coisa meio em forma de 8 pra indicar em que direção e a que distância está a fonte de comida recém-encontrada.

Quem primeiro identificou a “dança” das abelhas foi o etólogo Karl von Frisch, que ganhou o Nobel por isso. Com algum atraso, porque inicialmente as pessoas receberam com ceticismo a ideia de que abelhas tivessem um sistema tão complexo de comunicação.

Eventualmente, isso se tornou mais aceito. Fizeram estudos em que se monitora por radar o caminho das abelhas e como von Frisch já havia proposto, elas, de fato, usam a dança como meio de comunicação. É deixar o seu corpo falar por você.

Grandes navegadoras

Todo dia elas saem da colméia em missão exploratória, encontram fontes de alimento e voltam. Ok, nada muuuito impressionante. Aí entra um pesquisador empenhado e captura a abelha enquanto ela está tranquilamente indo de volta para a colméia. E leva ela para um lugar aleatório. E ela, após um momento de confusão, consegue encontrar o caminho e logo, logo está voltando pra casa, outra vez.

Essa tarefa aparentemente simples de voar por aí exige bastante das abelhas.

Requer que elas reconheçam pontos de referência - a árvore que fica perto da colméia, o rio na beira do qual está a flor que encontrou mais cedo.

Requer traçar rotas de um ponto ao outro, passando por outros lugares no meio do caminho: tipo quando você tem que passar no mercado, mas é meio contramão, porque agora você está indo visitar sua tia, então é melhor deixar pra ir no mercado na volta, porque aí o desvio é menor, já é caminho.




Se você se perder, pergunte pra uma abelha. Ela provavelmente conhece a região.

E elas parecem ter um mapa mental, pra coisas que não estão à vista - ou seja, elas não usam só o Sol como referência (como se acreditou por muito tempo). Se você faz elas acordarem na hora errada (com anestesia), elas ficam confusas quanto a posição do Sol (porque o horário é diferente, o Sol está em outro lugar no céu) e ficam com as rotas bagunçadas inicialmente. Mas logo depois conseguem corrigi-las, ignorando o Sol, e eventualmente acham a colméia e as flores no lugar de sempre, como num dia normal.

Conceitos abstratos

Conceitos abstratos: “esquerda/direita”, “igual/diferente”. Conceitos associados não a uma “coisa” em particular, mas sim à relação entre uma ou mais “coisas”.

As abelhas conseguem lidar com esse tipo de conceito. Sabemos disso através de tarefas chamadas delayed matching to sample (DMTS, que pode ser traduzido como correspondência atrasada à uma amostra).

Numa tarefa dessas, você tem uma arena em forma de Y (veja foto abaixo). A abelha vê uma cor no círculo inicial, escolhido aleatoriamente entre azul e amarelo (como na foto de exemplo abaixo). Aí passa pelo buraco no meio e vê dois corredores, um com um círculo amarelo e outro com um círculo azul. E a recompensa está no corredor do círculo que tem a mesma cor do inicial.




A arena em Y para o teste (adaptado de Avarguès-Weber e Giurfa, 2013).

Depois que elas estão treinadas, você pode para de usar as cores originais (azul e amarelo) e mudar pra, sei lá, verde e vermelho, ou até abandonar as cores e usar padrões em preto e branco (tipo, barras verticais ou horizontais). E elas continuam conseguindo obter a recompensa quase sempre, porque elas aprendem o conceito de “igual” - aprendem que a escolha correta é a coisa igual à coisa que elas viram antes.

Conclusão

Mais respeito com as abelhas. :)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sobre etologia e dragões

Eu gosto bastante de animações. Pixar, Disney, DreamWorks. Confesso que Como treinar seu dragão parecia até meio bobo pelo título mas acabou se tornando uma das minhas animações favoritas (junto com Wall-E, Shrek e Frozen). A história é ótima, a qualidade gráfica também, dragões sempre ajudam. Mas uma coisa que me chamou a atenção foi o comportamento desses dragões no filme.

Soluço e Banguela.

SPOILER ALERT!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

TOP #10 - Erros conceituais no filme Lucy!

#SPOILER ALERT#

Este post é uma crítica científica ao filme “Lucy”. Portanto, se você pretende assistí-lo e não quiser spoilers, you shall not pass, dude.


Sinopse. “Quando a inocente jovem Lucy (Scarlett Johanson) aceita transportar drogas dentro do seu estômago, ela não conhece muito bem os riscos que corre. Por acaso, ela acaba absorvendo as drogas, e um efeito inesperado acontece: Lucy ganha poderes sobre-humanos, incluindo a telecinesia, a ausência de dor e a capacidade de adquirir conhecimento instantaneamente”.




A sinopse não parece tão ruim, hum? Pena que ela pouco traduz o que realmente são os 91 minutos de Lucy. Pela primeira vez em algum tempo sequer soubemos por onde começar uma crítica. Sério. Lucy é dos filmes cientificamente mais desinformadores já filmados na história deste pequeno planeta azul (e olha que não nos faltam digníssimos exemplos, nesse sentido).


Atraídos pela chamada inicial, a qual dizia que o ser humano só usa 10% de sua capacidade cerebral (que por si só já renderia uma boa crítica), fomos “premiados” com pelo menos mais uma dezena de erros científicos bizarros dentro do filme. Boa, Universal, muito boa! Só que não. E ainda "jogaram fora" um elenco excelente. Scarlett Johnason, Morgan Freeman... Mas enfim! Para que você, leitor, não faça como parte da população brasileira e APLAUDA este monte de pseudo-ciência, decidimos fazer uma lista dos principais erros contidos em Lucy.


Brace yourselves, guys.